Por: João Lucas Candido
Atualmente cerca de um terço da produção mundial de alimentos se perde antes de chegar à mesa do consumidor. Essa perda está relacionada desde manejo inadequado, quanto condições de armazenamento e transporte inadequadas. Com isso, tratamentos capazes de estender a vida útil e garantir a segurança de produtos alimentícios são soluções para minimizar tais problemas.
A irradiação é uma técnica alternativa aliada a preservação de alimentos, e tem se mostrado muito eficaz em aumentar significativamente a vida útil desses, diminuindo as perdas, garantindo a segurança alimentar e aumentando a oferta do alimento ao consumidor.
No Brasil ainda não são comercializados alimentos “inteiros” irradiados, como frutas ou carnes. O que existe são ingredientes irradiados (temperos e condimentos) que podem ser encontrados em produtos industrializados como embutidos e salgadinhos. A técnica vem sendo utilizada como estratégia comercial, visto que tem sido verificada a crescente tendência pela população pelo consumo de alimentos minimamente processados ou livres de aditivos ou substâncias químicas, como os orgânicos.
Pode ser aplicado em qualquer alimento? Como identificar se o alimento comercializado foi irradiado?
A irradiação de alimentos consiste na exposição do alimento de origem animal ou vegetal à radiação ionizante, que é proveniente de fontes radioativas como de uma máquina de feixe de elétrons. Onde apenas fontes de 60Co e 137Cs são utilizadas para uso comercial, devido seu custo, disponibilidade e a produção de raio gamas de energias adequadas. No processo de irradiação de alimentos, apenas os raios gama entram em contato com o produto sem qualquer risco de contaminação radioativa.
Ainda, o processo de irradiação acarreta alterações químicas mínimas nos alimentos que não são nocivas ou perigosas, motivo pelo qual a Organização Mundial de Saúde recomenda sua aplicação e uso.
No Brasil, desde 1973 já existem regulamentações sobre a irradiação de alimentos com portarias complementares editadas em 1985 e 1989. A Portaria n°30 de 02/08/89, da Divisão de Alimentos do Ministério da Saúde, define que o limite superior de irradiação é de 10 kGy, além de uma lista de produtos aprovados para irradiação e suas respectivas doses, e proibiu a re-irradiação. Em 26/01/2001, a Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) aprovou a Resolução (RDC) n°21. Essa RDC não restringe os alimentos a serem irradiados e nem a dose máxima absorvida para se obter o esperado, desde que não haja prejuízo nas suas qualidades funcionais e sensoriais. Determina que deve ser mencionado na embalagem final se o produto irradiado for usado como ingrediente em outro alimento. No caso das especiarias, essa questão torna-se importante porque são utilizados na fabricação de produtos como os derivados de carne. A ANVISA ainda, seguindo o Codex Alimentarium, deixa como opcional a inclusão do símbolo internacional do uso de irradiação, a radura, ilustrado na figura abaixo. Por outro lado, o FDA (Food and Drug Administration) americano, desde 1986, tornou obrigatório o uso da radura, nos alimentos irradiados que são comercializados no EUA.
A rotulagem é exigida por lei, com o intuito de informar aos consumidores, que aquele alimento comercializado foi processado por irradiação.
Quais são as vantagens e desvantagens do uso da irradiação?
O tratamento do alimento por radiação ionizante vem sendo cada vez mais reconhecido como um meio de reduzir doenças e os custos médicos associados. Isto porque, através da irradiação, é possível inativar os protozoários causadores de patologias em peixes, aves domésticas, mariscos e carne vermelha que acabam sendo transferidos para o homem [2, 3]. Outra vantagem do método é reduzir perdas pós-colheita de frutas, grãos e especiarias e estender sua “vida de prateleira”. Porém, da mesma forma que os outros métodos, este não pode inverter o processo de decomposição e fazer com que o alimento deteriorado se torne próprio para o consumo.
Assim, através da irradiação de alimentos é possível:
• inibir o brotamento de raízes;
• retardar o amadurecimento de frutas e vegetais;
• reduzir microrganismos patogênicos;
• aumentar a vida de prateleira do alimento;
• suprir o abastecimento nos períodos de entressafra.
Por outro lado, as desvantagens da irradiação de alimentos que pode causar algumas alterações nos mesmos, cujas principais são:
• a mudança de sabor em decorrência dos radicais livres;
• mudança de cor;
• Quebra das proteínas, do amido e da celulose por ação das radiações, ocasionando o amolecimento de carnes;
• pode haver perda de nutriente;
• as vitaminas C e as vitaminas K podem sofrer ação dos radicais livres produzidos e pode-se provocar a oxidação das gorduras do alimento, que dá um sabor de ranço aos produtos gordurosos.
Classificação das irradiações
As doses de irradiação são geralmente expressas em kGy que significa “quilo Gray”.
A irradiação de alimentos pode ser subdividida em três categorias:
A utilização de baixas doses (< 1kGy) é responsável pela inibição de brotamentos (cebolas, batatas, etc), e por retardar o processo de amadurecimento (banana, mamão, goiaba, etc) e deterioração em frutas e hortaliças, além de agir contra insetos. As figuras a seguir ilustram os efeitos da baixa dosagem de irradiação em oposição ao respectivo controle.
Dose intermediárias (1kGy-10kGy) suficientes para que ocorra a redução de bactérias e fungos presentes na superfície ou no interior dos alimentos. Por ocorrer uma redução apenas parcial dos microrganismos, os produtos radiciados ainda precisam ser mantidos sob refrigeração.
O uso de doses elevadas (10kGy – 45 kGy) produz um efeito semelhante ao da esterilização. Permite a eliminação de populações de microrganismos que promovem estragos nos alimentos.
O uso de doses elevadas é utilizado na conservação de carnes e outros produtos. A irradiação deve ser feita na embalagem final e o alimento tem de estar pronto para o consumo. O alimento, com este tratamento, não tem prazo de validade, mesmo em temperatura ambiente, desde que a embalagem seja mantida intacta.
Sendo assim, a irradiação tem potencial no combate contra o desperdício de alimentos e a fome, sendo um processo alternativo, seguro e eficiente, embora ainda muito subutilizado no Brasil. O tratamento é capaz de prolongar a vida útil e melhorar a qualidade de vários alimentos e apresenta-se como uma boa opção aliado à adoção mais efetiva das boas práticas de manuseio, ajudar na redução de perdas pós-colheita, aumentar a qualidade higiênica e a competitividade de nossos produtos agropecuários no mercado nacional e internacional.